Atração turística, só que ao contrário

A referência mundial em Porto Alegre não é mais o Fórum Social Mundial.

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Autoria: Lívia Araújo

Ricardo, o iluminado

Parte da mídia meio que esqueceu de perguntar:  por onde anda o atropelador de ciclistas Ricardo Neis? Eu não sei nem quero saber o que ele tem feito, mas a Juju sabe. Clique na imagem para ver ampliado.

Autoria: Livia Araújo

Ciclorretrospectiva

2011 tem sido um ano ímpar para a bicicleta no Brasil, pela visibilidade que o tema ganhou no noticiário, nas redes sociais, e até mesmo nas ruas e seus espaços de discussão. Aconteceu de tudo: foram fatos lamentáveis que trouxeram à tona o descaso do poder público e a desatenção da mídia aos usuários de bicicleta e declarações infelizes de autoridades e (pseudo) formadores de opinião. Mas também foi a presença, no Brasil, de personalidades importantes para a difusão do uso da bicicleta, implementação de políticas relevantes, fortalecimento do cicloativismo e, sobretudo, uma mudança de postura da mídia de maneira geral, abordando, de maneira mais responsável, a necessidade da transformação do modelo de planejamento urbano para formatos mais humanos e sustentáveis. E, pura e simplesmente, mostrando a bicicleta como um elemento do dia a dia, e o ciclista como um cidadão com direitos, necessidades e características interessantes e atraentes. Confiram neste longo post e nos próximos textos, alguns dos fatos mais importantes do ano.

– Em 25 de fevereiro, Ricardo José Neis, funcionário do Banco Central, acelerou seu automóvel contra cerca de 150 ciclistas que participavam da Massa Crítica em Porto Alegre. Foi indiciado por 17 tentativas de homicídio e aguarda julgamento em liberdade. As imagens chocantes correram o mundo e a hashtag #naofoiacidente esteve entre os trending topics do Twitter por cerca de três dias, em resposta à abordagem inicial da imprensa, que tratava o caso como “acidente” e não como uma tentativa deliberada de assassinato. Ciclistas fizeram manifestações em solidariedade aos porto-alegrenses em diversas cidades no planeta (Buenos Aires, Paris, Rio de Janeiro, São Paulo, Madri e até São Francisco, o berço da Massa Crítica) e a imprensa mundial relatou o fato com perplexidade. A partir de então, a Massa Crítica de Porto Alegre, que reunia cerca de 150 ciclistas a cada mês, passou a reunir de 300 a 500 ciclistas mensalmente.

– Em 2 de junho, o prefeito de Copenhague, Frank Jensen, pedalou em São Paulo fora do horário de pico e declarou: “Eu sentiria medo de andar de bicicleta todos os dias em São Paulo. Não me sinto seguro dividindo espaço com os carros. É muito difícil andar de bicicleta aqui”. Também disse que “Copenhague era assim 30 anos atrás e nós investimos muito para tornar a bicicleta um meio de transporte fácil e seguro.”

Onze dias depois, em 13 de junho, o ciclista Antônio Bertolucci, presidente do conselho da empresa Lorenzetti, morreu ao ser atropelado por um ônibus em São Paulo. O motorista do veículo disse que não viu o ciclista por estar em um ponto cego. Por quê não foi acidente?

– Criador do termo “cycle-chic” e do blog homônimo (inspirador de centenas de outros blogs de moda+bikes pelo mundo, que ajudaram a popularizar o uso da bicicleta no cotidiano), o dinamarquês Mikaël Colville-Andersen esteve em São Paulo em 9 de julho para o Fórum Semana do Ciclista – Tendências, que contou também com o cicloativista Willian Cruz  e outros debatedores. Mikael também aproveitou para fazer amizade com a galera e prestou até um lindo tributo. No Rio de Janeiro, o fotógrafo também participou da “inauguração” do blog Rio de Janeiro Cycle Chic.

– O ex talking head David Byrne, autor dos Diários de Bicicleta, veio em julho para o Brasil e fez sucesso na FLIP e no Fórum Cidades, bicicletas e o futuro da mobilidade, apresentando suas impressões sobre o trânsito nas várias cidades do mundo por que pedalou e comentando como a bicicleta pode transformá-las. Update: Byrne também foi objeto de uma extensa e instigante entrevista na revista Trip de julho, edição extra só sobre a bicicleta.

– Uma ciclofaixa de 3,3 km foi inaugurada no bairro paulistano de Moema em 05 de novembro em fase de testes, e foi rejeitada por parte dos comerciantes do  bairro. Em declaração infeliz, a lojista Carol Maluf disse que suas clientes milionárias nunca andariam de bicicleta em saltos altos. Ciclistas aproveitaram a deixa e marcaram o evento “milionárias de bike”, que reuniu gente de salto alto e roupa social para prestigiar a nova estrutura cicloviária. Posteriormente, outros comerciantes passaram a dar descontos e incentivos a clientes ciclistas, de olho no potencial consumidor desse segmento.

Semana de reflexão

Arte: Danilo Sales

Fatos distantes um do outro no tempo tiveram sua discussão reaberta essa semana, unidos por vários pontos: o assassinato da ciclista Márcia Prado em janeiro de 2009, na Av. Paulista em São Paulo, e o atropelamento coletivo de 150 ciclistas pelo bancário Ricardo Neis em Porto Alegre, em fevereiro deste ano, e que resultou no indiciamento do atropelador por 17 tentativas de homicídio.

Na segunda-feira aconteceu a audiência com o motorista de ônibus Márcio José de Oliveira e amanhã, no Foro Central de Porto Alegre às 9h30, ocorre a audiência com as testemunhas de defesa do atropelador de ciclistas. Ambos os acusados aguardam julgamento em liberdade, enquanto a Justiça, tanto pela morosidade quanto pelo descaso com a gravidade desses atos criminosos (a falta de prisão preventiva no primeiro caso e a concessão de habeas corpus no segundo), acaba por fomentar o sentimento de impunidade que gerou outros frutos trágicos.  O atropelamento do ciclista Antonio Bertolucci, presidente do conselho da Lorenzetti, o bárbaro atropelamento de Vitor Gurman na Vila Madalena entre outros casos sem punição são exemplos disso, em que motivações sempre reiteradas, como embriaguez ao volante ou excesso de velocidade e desrespeito à faixa de pedestres carecem tanto de fiscalização como de sanções imediatas e adequadas.

Portanto, deve ser dada a devida atenção a um acontecimento como o de amanhã. Centenas de cidadãos – não só cicloativistas – estão se mobilizando para encontrar-se na frente do Foro Central de Porto Alegre e acompanhar, o mais perto possível, o desenrolar do caso de Ricardo Neis e exigir mais ética e justiça, não só dos agentes do Direito mas também de uma mídia que frequentemente compactua com um status quo que faz vistas grossas ao crime, à irresponsabilidade e ao desrespeito ao ser humano.