Em julho de 2010 participei da massa crítica em Porto Alegre pela primeira vez. Eis as minhas impressões, na época.
“Se pedalar sozinho é um ato de coragem em Porto Alegre, pedalar na Massa Crítica é um ato de liberdade. Em grupo, a gente também se sente mais seguro, em parte porque os motoristas, para quem em geral o ciclista é invisível, percebem você de maneira inevitável. O trânsito, aparentemente, pode ficar mais lento por causa do grupo de ciclistas, mas não: é a consciência dos motoristas que aflora de repente, pois não podem nem devem andar na velocidade que querem, pois ciclistas e pedestres existem, pois a vida existe para ser vivida fora da “bolha” de metal.
Algumas reações são violentas, principalmente as dos motoboys, naturalmente estressados por prazos e pela própria tensão do trânsito. Alguns motoristas xingam. Outros sorriem. Outros buzinam simpáticos. Nos pontos de ônibus também. Sorrisos. Sorrisos de volta. Distribuí uns panfletos nas paradas de ônibus, para que aquele pessoal que vai enfrentar o T3 cheio não queira ir de carro: que existe outra opção e ela, aos poucos, está coexistindo com carros, ônibus, motocicletas. Isso é multimodalidade.
Participaram da Massa Crítica de julho mais de 60 pessoas. E todo mundo gostou e achou ótimo, mesmo sendo uma única vez no mês. Em cidades como Utrecht, na Holanda, esse volume de gente é muito maior. E diariamente. Em Portland, nos Estados Unidos, também, e não há muitas ciclovias por lá. O espaço é compartilhado. O importante é que tanto a sociedade quanto os governos respeitem o que já está previsto em lei“.
Um ano e meio depois, incluindo um bárbaro atropelamento em março deste ano, a massa crítica cresceu. Passou dos 60 participantes do passeio, em julho de 2010, para um volume que oscila entre 300 e 500 pessoas de bicicleta (o Correio do Povo, em sua matéria tendenciosa, apontou mil participantes). O que será que motivou esse crescimento? Muitas dessas pessoas em Porto Alegre – e em milhares de cidades do mundo – que levam às ruas suas bicicletas na última sexta-feira do mês, dirigem carros em outras ocasiões ou já o fizeram muitas vezes na vida. No entanto, de alguma maneira estão descontentes com um meio de transporte que, apesar de sua eficiência individual e conforto interno, no plano coletivo e em grande número (aliado a uma administração pública negligente e incompetente no planejamento urbano), acaba provocando danos em escala massiva: de poluição e estresse a assassinatos e mutilações. Algumas das pessoas que passaram a frequentar a massa crítica também adotaram a bicicleta como meio de transporte em seu dia a dia e contribuem para o crescimento do uso da bicicleta em Porto Alegre, mesmo com todas as dificuldades enfrentadas nos deslocamentos e um descaso do poder público pouquissimamente compensado com políticas de mobilidade ainda inócuas mas amplamente noticiadas.
Desde julho de 2010, ocasião da minha primeira massa crítica, ouço os gestores municipais e parte da mídia dizer que o evento “tranca a rua”, provocando engarrafamentos (quem será que provoca engarrafamentos em todos os outros dias do mês além da última sexta feira?). Quase um ano e meio depois, eles ainda procuram líderes e comandantes na massa crítica e nas bicicletadas, mesmo tendo à sua disposição a vastidão do Google, o didatismo da Wikipedia e as informações presentes nos próprios veículos do movimento de caráter mundial. Para contribuir com o esclarecimento de nossos governantes, o documentário legendado We Are Traffic (em quatro partes), incluso abaixo, pode oferecer respostas esclarecedoras sobre o evento. Só me admira constatar que, se um governo municipal dá tão pouca atenção na busca de informações sobre um evento de realização tão simples como a massa crítica, o que se dirá de temas mais complexos, como a mobilidade urbana em si, a saúde, a educação, a segurança pública e o combate à corrupção?
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